Jorge de Sena | autor do mês de novembro 2020

Jorge de Sena | autor do mês de novembro 2020

A Biblioteca Municipal José Marmelo e Silva pretende divulgar autores portugueses e estrangeiros.
Assim, mensalmente iremos dar destaque a um autor, dando a conhecer a sua biografia e obra. 
Acompanharemos esta rubrica com o acesso ao catálogo, onde poderá ter conhecimento de todas as obras existentes do autor do mês, na Biblioteca Municipal José Marmelo e Silva. 

Poeta, ficcionista, dramaturgo e ensaísta, Jorge Cândido de Sena, nascido a 2 de novembro de 1919 e falecido a 4 de junho de 1978, foi autor de uma obra marcada sobretudo pela reflexão humanista acerca da liberdade do Homem. "Pensador que sente e sentidor que pensa" (Eugénio Lisboa), os seus poemas partem geralmente de um objeto para fixar uma meditação sobre o "eu" e o seu lugar no mundo. 
 
Depois de concluir os estudos liceais, ingressou na Escola Naval, curso que não concluiu por impedimentos vários, vindo a formar-se em Engenharia Civil na Universidade do Porto. Ainda durante os estudos universitários, publicou, sob o pseudónimo Teles de Abreu, as suas primeiras composições poéticas em periódicos como o Presença e travou conhecimento com o grupo de poetas que viria a reunir-se em torno de Cadernos de Poesia, convivendo, entre outros, com José Blanc de Portugal, Ruy Cinatti, Alberto Serpa e Casais Monteiro. 
 
O seu nome surgiria, com efeito, associado a essa publicação que, em 1940, sob o lema de "Poesia é só uma" pretendia distinguir-se pelo ecletismo e pelo diálogo entre várias tendências e gerações poéticas, vindo a codirigir as suas 2.ª e 3.ª séries e subscrevendo uma conceção de poesia que "com todos os seus ingredientes, recursos, apelos aos sentidos, resulta de um compromisso firmado entre um ser humano e o seu tempo, entre uma personalidade e uma sua consciência sensível do mundo, que mutuamente se definem". É, aliás, no âmbito das edições de Cadernos de Poesia que, em 1942, é publicada a sua primeira obra poética: Peregrinação. 
 
Ainda durante os anos 40, colaborou com Aventura (1942-43), Litoral (1944), Portucale (2.ª série, 1946), Seara Nova (nas páginas da qual trava, em 1949, polémica com os surrealistas), enquanto mantinha colaboração regular com o Diário Popular e encetando uma atividade de não somenos importância como tradutor de poesia (entre outras obras, saliente-se, na sua bibliografia, 90 e Mais Quatro Poemas de Constantino Cavafy (Porto, 1970), Poesia de Vinte e Seis Séculos: I - de Arquiloco a Calderón, II - de Bashó a Nietzsche (Porto, 1972), Poesia do Século XX (Porto, 1978). 
 
A partir de meados dos anos 40 intensificou, paralelamente à atividade profissional como engenheiro da Junta Autónoma de Estradas, a sua atividade de conferencista, proferindo comunicações que incidem frequentemente sobre dois dos seus temas diletos: Camões e Fernando Pessoa (de quem editará, em 1947, as Páginas de Doutrina Estética). 
 
Durante os anos 50 afirmou-se como uma das presenças mais influentes e complexas da cultura e literatura portuguesas; é durante essa década que publica algumas das suas mais conhecidas obras poéticas (Metamorfoses, Evidências, Fidelidade); que publica a sua primeira tentativa dramática, a tragédia O Indesejado; que colabora com publicações como Gazeta Musical e de Todas as Artes, Árvore, Notícias do Bloqueio, Cadernos do Meio-Dia; e que organiza a terceira série da antologia Líricas Portuguesas. 
 
A sua postura humanista e o espírito de inconformismo contra a ditadura fascista levaram-no, em 1959, após o envolvimento numa tentativa falhada de golpe de Estado militar contra o regime salazarista, a optar por um exílio voluntário no Brasil, onde viria a exercer funções de docência nos domínios da Literatura Portuguesa e da Teoria da Literatura, nas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras de Assis e de Araraquara, em S. Paulo. 
 
Publicou, então, uma série de obras ensaísticas como Da Poesia Portuguesa e desenvolveu uma intensa atividade como congressista, não deixando ainda de, como redator no jornal Portugal Democrático, participar em ações de denúncia da ditadura a partir do exterior. 
 
Em 1961, publicou o primeiro volume da sua obra poética completa, encerrando aquela que tem sido encarada como uma primeira fase poética. No ano anterior publicara o seu primeiro livro de ficção, a coletânea de contos Andanças do Demónio. 
 
Face aos obstáculos que sistematicamente eram levantados à sua progressão na carreira académica (primeiro, a sua naturalidade, depois a inadequação curricular entre a sua formação e a lecionação), em 1965 transferiu-se para a Universidade do Wisconsin, Madison, nos Estados Unidos da América, em cujo departamento de Espanhol e Português seria nomeado professor catedrático de Literatura Portuguesa e Brasileira; em 1970, transferiu-se para a Universidade de Califórnia, em Santa Bárbara, onde viria a ser nomeado, dois anos volvidos, chefe do departamento de Literatura Comparada e, em 1975, chefe do Departamento de Espanhol e Português. 
 
Entretanto, participou em inúmeros congressos internacionais; tornou-se membro da Modern Languages Association e da Renaissance Society of America; e empreendeu várias deslocações à Europa, nunca interrompendo a edição quer de títulos de teoria e história literária e estudos literários clássicos, modernos e contemporâneos, quer a obra poética pessoal, publicando, antes e depois da primeira visita autorizada a Portugal em nove anos de exílio, entre 1968 e 1969, os livros de poesia Arte de Música e Peregrinatio ad Loca Infeta. 
 
Após o 25 de abril, recebeu várias homenagens públicas em Portugal, sendo condecorado com a Ordem do Infante D. Henrique e, a título póstumo, com a Grã-Cruz da Ordem de Santiago e Espada. No ano da sua morte, 1978, vieram a público, revistos pelo autor, os volumes Poesia II e Poesia III, a que se seguiriam, postumamente, os volumes 40 Anos de Servidão e Post-Scriptum II. 
 
A obra de Jorge de Sena ocupa uma posição singular na literatura contemporânea nacional e internacional, dado o facto de, enquanto mediadora de uma história literária e cultural com que o autor estabelece um diálogo existencial e textual, se apresentar, segundo o prisma por que for encarada, simultaneamente como clássica, moderna, socialmente empenhada, confessional e surrealizante. 
 
Apreciando o conjunto da poesia de Jorge de Sena, no fim dos anos 50, António Ramos Rosa observa como "surrealismo e classicismo" nela se defrontam, "numa extrema tensão, para se fundirem, apesar de aparentemente irreconciliáveis, numa expressão poética de uma grande elegância prosódica, muitas vezes lapidar e finamente musical, e sempre de um conteúdo intelectual, sensível ou afetivo, extremamente rico e depurado", dando corpo a uma poesia complexa que "é, ao mesmo tempo, um exercício espiritual, e um exercício de linguagem, uma poesia de conhecimento e de interrogação filosófica ou metafísica, mas sempre da mais alta intimidade reflexiva que a alma humana possa ter consigo mesma e, ao mesmo tempo, uma poesia mais direta, que corajosamente afronta alguns problemas cruciais da condição humana presente (ROSA, António Ramos in Cadernos do Meio-Dia, fevereiro de 1959, cit. in SENA, Jorge de - Obra Poética I, 3.ª ed., Lisboa, Ed. 70, 1988, p. 224). 
 
A obra poética de Sena, fundindo classicismo e modernismo, realiza a evolução possível na poesia pós-Pessoa, ao superar o subjetivismo que Pessoa anulou com a invenção heteronímica, através da projeção dos sentimentos do sujeito sobre uma superfície objetiva onde aqueles se cristalizam sem emanarem de uma identidade precisa (cf. MAGALHÃES, Joaquim Manuel - Os Dois Crepúsculos, Lisboa, A Regra do Jogo, Lisboa, 1981, pp. 55-56), ou, por outras palavras, "O homem investido pela história e pelo mundo, o homem mediado pela vida exterior tanto como pelo conhecimento que a cultura significa, [informa] em suma um Sena que é mais importante para Sena que ele mesmo enquanto subjetividade privada". 
 
Naquele que é um dos mais exaustivos estudos sobre a poesia de Jorge de Sena, Luís Adriano Carlos defende que a "visão poética seniana [incorpora] de forma singular não só uma visão estética mas também uma visão filosófica, uma visão histórica e uma visão tipológica", estabelecendo nomeadamente ligações intertextuais com um campo textual filosófico que introduz "na "razão poética" uma razão dialética - e uma razão fenomenológica, reintegradas numa razão existencial", apresentando, assim, a sua obra poética como "simultânea e correlativamente "objeto histórico" e "objeto fenomenológico" (CARLOS, Luís Adriano - Poética e Poesia de Jorge de Sena, antinomias, tensões, metamorfoses, 2 vols., Porto, Faculdade de Letras, 1993, p. 11, vol. I, p. 13). 
 
Em 1979, foi publicado o seu único e inacabado romance, Sinais de Fogo, que tem como objeto a aprendizagem (sexual, poética, política) de um protagonista, pelo olhar do qual é reconstituída uma sociedade portuguesa, provinciana e burguesa, que tem como pano de fundo histórico a guerra civil espanhola.

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