Manuel Laranjeira - "Commigo"

Manuel Laranjeira - "Commigo"

Na rubrica mensal, Autores Espinhenses, pretendemos dar a conhecer autores que nasceram, viveram ou ainda vivem em Espinho e que contribuíram para o desenvolvimento literário e cultural do concelho.  
No dia 22 de fevereiro de 2022 assinala-se o centésimo décimo aniversário da morte de Manuel Laranjeira. 
Manuel Fernandes Laranjeira nasceu a 17 de agosto de 1877 na Vergada, freguesia de Mozelos do concelho de Santa Maria da Feira. Em 1899 fixou residência em Espinho, na rua Bandeira Coelho (atual Rua 19), n.º 277 e aí residiu até à sua morte.  
Emerge no seio de uma família humilde e com parcos recursos. Era um dos sete filhos de Domingos Fernandes da Silva, pedreiro de profissão e de Maria Francisca Laranjeira, doméstica.  
Fez a sua instrução primária na antiga residência paroquial de São Martinho de Argoncilhe, tendo sido sempre um aluno "brilhante”. O seu professor João Carlos Amorim reconheceu-lhe inteligência, vaticinando um futuro prometedor. 
Com a morte prematura de seu pai, em 1890, vitimado pela tuberculose, os quatro irmãos mais velhos emigraram para o Brasil juntando-se a familiares que já se encontravam neste país, procurando melhores condições de vida. Manuel, por sua vez, ao ter ficado com a sua mãe, cria com esta uma forte ligação prestando-lhe todo o seu apoio, que de certo modo, acabou por lhe "roubar a sua liberdade”. 
Aos 18 anos, com o auxílio financeiro do irmão e cunhada, inscreveu-se num liceu na cidade do Porto. Justamente nesta fase da sua vida escreveu o primeiro poema, "Tenho inveja de Cristo…" (1898), e após conclusão dos estudos liceais, realizou a primeira incursão pela criação dramática com a peça "O Filósofo". 
Em 1899 ingressou na Escola Médico Cirúrgica do Porto. Durante o seu percurso académico foi um estudante muito aplicado e, por outro lado, teve sempre um papel proativo nomeadamente em temas ligados à sociedade, de âmbito moral, político, social. Fez parte de "um grupo antimonárquico e tornou-se um feroz polemista, vindo a escrever em várias publicações periódicas de diversa índole (no jornal estudantil, "O Campeão”, no Teatro Português, na "Revista Musical”, no "Porto Médico”, nos "Serões”, na "Ilustração Transmontana”, no "Jornal de Notícias”, na "Voz Pública”, no "Norte” e na "Pátria”). 
Manuel Laranjeira foi grande admirador de Camilo Castelo Branco, de Antero de Quental e da "Geração de 70”, participou em eventos culturais portugueses do final de oitocentos, assumindo um papel analítico e crítico da decadência portuguesa, espelhado no seu ensaio "Pessimismo Nacional”. 
No ano de 1901, adota o apelido de Laranjeira, de sua mãe. 
Para lá das relações que manteve com Maria Rosa de Jesus Neves, serviçal, e com Belmira de Sousa Reis, florista, que resultaram no nascimento dos seus dois filhos, Flávio Laranjeira e Manuel Sousa Laranjeira, Manuel Laranjeira dá-nos conta dos seus amores e desamores na sua obra "Diário Íntimo”. 
Em 1903 realizou a sua única viagem fora do país, à capital espanhola onde visitou o Museu do Prado. 
Manuel Laranjeira manteve relações privilegiadas com João de Barros, Miguel de Unamuno, António Carneiro, António Patrício, Amadeu de Souza-Cardoso, entre outros vultos da cultura portuguesa.  
A obra literária de Manuel Laranjeira reflete a insatisfação em que vivia e a sua escrita versava muito sobre crítica social, artística, literária e política.  
Desde 1899 que Manuel Laranjeira padecia de doença (sífilis congénita), que acabou por afetá-lo mentalmente agravando o seu estado de depressão, refletindo-se numa solidão e pessimismo, "manifestos numa visão trágica da existência e numa atitude de ensimesmamento, com explosões de revolta e desespero, de ceticismo e niilismo, culminantes no suicídio”. 
Através do artigo subordinado ao tema "Laranjeira e a infinita tristeza da existência” inserido nos Cadernos de Espinho, vol. 8, de 2021, conseguimos perceber que a série de quatro artigos de Manuel Laranjeira publicados no jornal "«O Norte» entre 24 de dezembro de 1907 e 14 de janeiro de 1908, é elucidativa do seu pensamento sobre o mal que grassava na sociedade portuguesa, em especial nas elites mais esclarecidas – o pessimismo nacional. Analfabetismo, egoísmo individual, messianismo, populismo, exploração do trabalho, corrupção, educação jesuítica, tuberculose e emigração eram os cancros apontados pelo ensaísta para o mal português. Na época, o escritor culpou a "polilha parasitária e dirigente” que comandava os destinos do país; a maioria que sofria "porque não a educavam”; a minoria que sofria "porque a maioria não era educada”. Em suma, a doença social era "toda de natureza parasitária - e o pessimismo português a sua manifestação dolorosa.” 
Em termos de intervenção médica e social destaca-se a obra "A doença da santidade – Ensaio psicopatológico sobre o misticismo de forma religiosa”, tese que defendeu na Escola Médico-cirúrgica do Porto, em 1907, onde abordou, sobretudo, o estudo das disfunções psicológicas e comportamentais que ocorrem em estados de distúrbio mental nos místicos ou santos, e destacamos ainda outros escritos doutrinais relacionados com o foro da Psiquiatria e da Psicopatologia, tais como, "O Nirvana”, "Os homens superiores na selecção social” e "Interpretação Psicopatológica do Pessimismo Contemporâneo”. 
Na área da intervenção política destacam-se os escritos "Pessimismo Nacional”, "Mocidade Idealista”, "O cadáver de um grande escritor”, "Palavras a Um Benfeitor”, "Política Distrital”, "Comarca de Sapateiros” e "Carta a um banhista... de Inverno”. E, no campo das Artes, os "Escritos de Teoria Estética e Crítica de Literatura, teatro e Artes”. 
Na revista "A Águia”, de 1 de dezembro de 1910, Manuel Laranjeira publicou o artigo "Os Homens superiores na selecção social”, neste texto ele "destaca a superioridade intelectual das elites por oposição à mediocridade das maiorias”. 
A sua escrita também passou pelas criações dramáticas, iniciada em obras como "O Filósofo”, comédia em um ato, de 1898; o prólogo dramático "Amanhã”, de 1902, considerada «a melhor obra cénica da escola naturalista» de acordo com António José Saraiva e Óscar Lopes; ou os dramas "As Feras” e "Almas Românticas” escrito entre 1905 e 1910, peça que não ficou completa e, acabou por não ser encenada. Em Espinho, no Salão Avenida, também ficou registada a obra dramatúrgica de Manuel Laranjeira, através da apresentação da farsa "Naquele Engano d’Alma”, escrita por Laranjeira para o grupo cénico do Grémio Imparciais. 
Apesar de se encontrar com uma saúde já fragilizada ainda assumiu funções de subdelegado de saúde municipal. 
Em fevereiro de 1911 proferiu uma conferência no Teatro Aliança de Espinho, sobre a proteção da vila contra as investidas do mar. 
Foi eleito para a Comissão de Propaganda do centro Democrático de Espinho e nomeado administrador do Concelho, mas acabou por renunciar ao cargo alegando motivos de saúde. 
Como se constata através da obra de Orlando da Silva, "Manuel Laranjeira:1877-1912: Vivências e Imagens de uma Época”, na cronologia biobibliográfica e outras referências, mais precisamente em fevereiro de 1912, pode ler-se que "escreve, por intermédio de um amigo, a Miguel Unamuno, e conta-lhe que no começo do ano adoeceu com uma febre hepática que o prostou de cama e crê até o levará à morte. Diz adeus ao amigo até... não sabe quando”. 
Decorridos alguns meses, após a representação de "Naquele Engano d’Alma”, mais precisamente a 22 de fevereiro de 1912, Manuel Laranjeira, aos 34 anos, mata-se com um tiro na cabeça na casa onde residia, na Rua Bandeira Coelho (hoje Rua 19). 
Em 28 de outubro de 1908 na carta que escreveu a Miguel de Unamuno, Laranjeira considerava que «... o suicídio é um recurso nobre, é uma espécie de redenção moral. Neste malfadado país, tudo o que é nobre suicida-se; tudo o que é canalha triunfa.» 
Segundo Nuno Júdice, os aspectos da obra pluriforme de Manuel laranjeira «não são mais do que expressões diversas da mesma busca de um ser cuja preocupação determinante é encontrar o tom da sua própria verdade.» 
Na Gazeta de Espinho de 24 de março de 1912, Júlio Brandão refere que o livro "Commigo” de Manuel Laranjeira "é um diálogo do poeta com a sua alma”, cristalizado através dos seus versos que "são decerto, d’um pessimismo melancólico.” Assim, o último terceto do volume que fecha um dos sonetos dignos do grande poeta suicida exclama:  
«E não me assusta a morte!  
Só me assusta ter tido tanta fé na vida injusta, 
… E não saber se quer p’ra que a vivi!» 
Para Júlio Brandão "Commigo é um livro pequeno, mas que não se esquece nunca.” 
Para melhor conhecer a obra de Manuel Laranjeira, aceda ao Catálogo da Biblioteca Municipal José Marmelo e Silva 

Bibliografia:  

BOUÇON, Armando, COSTA, Luís –” Laranjeira e a infinita tristeza da existência”. Coord. Mário Augusto. Espinho cultural: teatro, literatura e artes Cadernos de Espinho. [Espinho]: Ideias e Conteúdos-Produções em Comunicação. Vol. 8 (2021), pp. 43-49 
Dr. Manuel Laranjeira: Commigo. "Gazeta de Espinho”. (24 mar. 1912). pp.3-4 
MONTEIRO, Antero, 1946- - Misticismo em Manuel Laranjeira : o autodiagnóstico de um médico doente de santidade. [Santa Maria da Feira] : Liga dos Amigos da Feira, 2004. 71, [1] p.. ISBN 972-99283-0-4
SILVA, Orlando da – Manuel Laranjeira: 1877-1912: vivências e imagens de uma época. Vergada: O.S.., D.L. 1992. 522, [1] p. 
Universidade do Porto - Antigos estudantes ilustres da Universidade do Porto: Manuel Laranjeira [Em linha]. Porto: UP, 1996-2022. [Consult. 24 de março 2022]. Disponível em https://sigarra.up.pt/up/pt/web_base.gera_pagina?p_pagina=antigos%20estudantes%20ilustres%20-%20manuel%20laranjeira